Quem sou eu

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Nasci em Floripa, vivo em Miami e sou apaixonada pela África. Adoro viajar e explorar novas culturas. Tenho especial interesse pelas diferenças. Este é o meu caderno de 'viagens' aberto ao publico. Seja bem-vindo (a)!

4.11.09

Cape Town 18: The final goodbye






Foi no dia 5 de agosto de 2009 que tive que dar o maior e mais triste de todos os goodbyes. Tive que dizer adeus a Sea Point, o meu reduto. Tive que me despedir de pessoas que ganharam importância na minha vida, de lugares onde adorei estar, de momentos mágicos que me trouxeram muita paz e felicidade. E fui firme e forte nessa hora. Tudo foi tão perfeito na minha trajetória em Cape Town, que até a maior das despedidas foi indefectível. Eu senti que era a hora de encerrar o ciclo e virei de costas para Cape Town olhando para frente. E ainda tive tempo de fazer tudo o que eu queria. Tive um mês para me despedir com calma e aceitar a idéia de que a colônia de férias tinha encerrado as atividades, desta vez sem choro e sem a possibilidade de mais uma esticadinha. Aliás, achei que o meu visto fosse de borracha, e tanto que estiquei! Até advogado contratei para poder desfrutar por mais um mesinho este lugar que aprendi a amar sem nenhum esforço. E consegui. Consegui de Cape Town exatamente tudo o que eu queria. Obrigada Senhor! Obrigada, pai, pela mesada!

A tão esperada viagem para a Namíbia foi meu ritual de despedida e posso afirmar que superou as minhas expectativas. Fiz sandboard de uma duna gigante, andei de quadbike, fiz safári no Etosha e tchan tchan tchan tchan, fiz skydiving! Nem vou comentar todas as aventuras na Namíbia porque essa viagem merece um post próprio, mas vou dizer que ter pulado de paraquedas foi uma experiência religiosa pra mim. Ah, e sabe o bungy jump? Aquele que na hora de pular eu amarelei? Voltei lá e pulei. Vários saltos significativos na minha vida, vários.

Posso dizer que deixei a África com o mesmo sentimento com o qual aceitei tudo o que vivi nesses 7 meses, o de estar fazendo a coisa certa. Não tem nada melhor do que tomar decisões importantes tendo a certeza de estar fazendo a coisa certa.

Tive uma amiga de infância (alô Anne) que veio passar esse último mês comigo trazendo um pouquinho do Brasil para me fazer relembrar. E foi comendo feijão e ouvindo Zeca Baleiro que a imagem do Brasil foi clareando na minha mente. E aos poucos fui aceitando a ideia de que era tempo de estar de novo com a minha família, de dar um abraço apertado nos amigos, de fazer a geral nos meus pertences e deixar para trás o que não me serve mais por não fazer mais parte de mim.

Esta Ambelle que está voltando não é a mesma que foi para a África. Ela não é nem mais preta e nem mais branca, nem mais rica e nem mais pobre, nem mais certinha e nem mais doidona. Ela só é mais feliz.

13.4.09

Cape Town 16: Playing by waitress


Três vezes por semana eu brinco de ser garçonete, o que além de me render algum trocado, rende também boas histórias.

Para os clientes do bar eu sou Bella, a garçonete brasileira. Quando chega alguém diferente perguntando quem eu sou, um deles sempre se adianta em responder: “Bella is brazilian”, como se estivesse denotando alguma qualidade.

Denis, um senhor careca, de óculos quadrados, detetive aposentado, esteve no Brasil em 1978, no ano em que eu nasci. Cada vez que me conta a história, repete “Salvadordabahia” como se fosse uma palavra só. O que ele mais chamou a atenção dele em Salvador foram os cantores de música ao vivo tocando violão nas calçadas. Por enquanto ele se contenta com a nossa velha e desatualizada jukebox, enquanto sonha um dia voltar a ouvir o som de Salvador.

O Derek trabalha com compra e venda de diamantes. Ex-fumante e ex-alcoolatra, hoje vem ao bar diariamente para beber uma latinha de cool drink. A lata custa R9.50 e ele deixa R20.00 de gorjeta, sempre. Ontem me trouxe também um ovo de Páscoa. Ele parou de beber e fumar depois de um enfarto e também porque cansou de perder dinheiro trabalhando de ressaca. Avaliar diamantes com 30 doses de tequila no sangue, definitivamente, não devia ser um bom negócio. Hoje ele faz academia, joga futebol, não bebe, não fuma e também não se preocupa com a origem dos diamantes. Cada um que faça a sua parte, pontua ele.

O Michel normalmente chega no bar com aparência de quem levou uma surra. E levou mesmo. Desde que começou a praticar jiu-jitsu, vive com dores no corpo. Ele tem o costume de passar o tempo todo em frente a uma máquina de jogos eletrônicos, mas ultimamente tem precisado levantar algumas vezes para se alongar. Na sua última estada no bar, pediu papel e caneta e me escreveu um poema.

When God breaths away/ your tired lies/ kisses awake/ your dreamy eyes/ and paints the heavens/ with compromise/ you’ll lift your head/ you’ll drink the sun/ your heart has space/ for everyone.

Wanco trabalha no Tiger Tiger, um barco que sai diariamente do Waterfront levando turistas para apreciar o por do sol. Só existe uma coisa que pode ser melhor do que assistir ao sunset em Sea Point. Assistir de um barco, no meio do mar, bebendo champagne. Um dia ele me pediu para cantar uma 'brazilian song'. E lá fui eu batucar um samba no balcão. No dia seguinte levei um cd que gravei para ele e acho que ele pensou que eu estava dando mole. Quando ganhou do chefe um jantar num restaurante, veio todo animado me convidar pra ir junto. Comi a melhor pasta de C.T., de frente para a Beach Rd., ao ar livre, olhando as estrelas. Olhando as estrelas para disfarçar e tentar deixar bem claro que era só amizade.

6.4.09

Cape Town 15: Three months plus


Consegui renovar o meu visto. Posso ficar em C.T. até o dia 2 de julho. Saber que tenho outros três meses pela frente significa que posso repetir a dose sem medo de ser feliz. Driblei o calendário e voltei à metade do caminho como se corre na escada rolante em sentido contrário, sentindo uma leve euforia em constatar que transgredir a ordem as vezes faz bem. Tenho mais três meses para desfrutar de um lugar que me traz muita paz. Meu chakras agradecem.

Por outro lado, ter data certa para ir embora me angustia um pouco. O bom seria não ter. O bom seria um belo dia acordar, sentar na cama, olhar pela janela e concluir: agora está na hora. Então eu faria a última caminhada em Sea Point, passaria meu último dia de sol em Clifton 4, tomaria minhas últimas garrafas de Windhoek Lite, faria minhas últimas comprinhas no Greenmarket Square, me despediria dos amigos que fiz, arrumaria as malas e embarcaria rumo a Jo’burg, São Paulo, Floripa. E deixaria C.T. com a sensação de dever cumprido.

Não sei se vou ter tempo suficiente para cumprir todas as minhas metas pessoais, mas uma coisa eu preciso muito fazer antes de ir embora, embarcar numa trip para a Namíbia, daquelas em que a gente dorme em saco de dormir e passa o dia numa tribo zulu. Não posso voltar para casa sem conhecer a África dos documentários da National Geografic. Não posso voltar para casa achando que o Waterfront é a África. Continuo atrás daquele choque cultural que move todos os viajantes convictos e que talvez, no meu caso, seja só uma desculpa para seguir viagem.

Curiosidade: está sendo gravado em C.T. o filme sobre a vida do Nelson Mandela. Atores como Matt Damon, Morgan Freeman, Leonardo Di Caprio, entre outros, estão na cidade. Um amigo meu recebeu a visita do Clint Eastwood no barco dele, lá no Waterfront. Um cliente do bar, um indiano que trabalha na Warner, é motorista do staff de Hollywood e todo dia chega contando fofocas internas do tipo: hoje levei o Morgan Freeman para almoçar no Ocean Basquet...

Cape Town 14: Cut, the cat


No exato momento em que escrevo este post, o Cut, meu amigo felino, está deitado sobre a minha cama, de olhos fechados, encolhido sobre o edredom. Agora alguém me responde: quem foi que convidou? Já vi que gato é assim mesmo: a gente dá a mão e ele quer o braço – especialmente quando lhe falta um, frise-se.

Desde que ele está se achando meu amigo, circula no meu quarto como se fosse dele. Entra, sobre na cama, se ajeita, se lambe e me olha como quem pergunta: dá para coçar as minhas costas? E lá vou eu romper a barreira do preconceito e fazer um carinho nele.

A Rica ficou até orgulhosa de mim. Já fiz carinho no gato, dei comida, deixei ele subir na minha cama, e ela só sabia dizer: “well done, Ambella. I’m proud of you.” Confesso que nem foi tão ruim assim, tirando a coceira que tive no corpo depois... Nunca levei a sério essa alergia a pelo de bicho, até porque eu nunca tinha convivido com um para testar, mas agora vi que ter um gato muito próximo de mim pode me render uma comichão animal! O problema é que ele não sai mais daqui. Desde o dia em que fiz carinho nele a primeira vez, ele me ama.

Esses dias eu estava tirando um cochilo, assim que cheguei do trabalho e de repente, sinto uma coisa pular quase em cima de mim. Pensei: pqp, não estou acreditando! E ele me olhava com uma cara debochada, como se perguntasse: tem um cantinho aí pra mim? Ok, Cut, na falta de uma companhia menos peluda, pode se ajeitar aí do meu lado. Não sei por que, mas nessa hora lembrei que a gente nunca deve desprezar quem gosta da gente.

19.3.09

Cape Town 13: Changes


Cape Town está diferente. Desde que os últimos amigos foram embora e a grana está ficando escassa, o clima de férias que durou quase três meses tem tentado me mostrar que todo Carnaval tem a sua quarta-feira de cinzas. Não que eu tivesse esquecido, mas simplesmente não quis lembrar. Vivi três meses ocupada somente em desfrutar as experiências que a vida vinha me apresentando. E as chances foram tantas que uma ou outra deixei escapar de propósito, como quem pensa: eu já tenho o suficiente.

Não passei um dia sem ter estado feliz, sem ter botado a cabeça no travesseiro e pensado: como o dia foi bom. Algo mágico aconteceu comigo que não me deixou enxergar os problemas e que apagou do meu vocabulário a palavra preocupação. Nem a saudade me importunou. Um dia ela virou para mim e disse: quando você estiver perto da felicidade, vai estar muito longe de casa, é isso mesmo que vocês quer? Eu optei por estar feliz em primeiro lugar, pois assim eu administraria muito bem a saudade. Digamos que pedi um sanduíche e ganhei um combo.

Mas C.T. não está diferente só aos meus olhos, a cidade está mudando, de verdade. A estrela Dalva não aparece mais em frente à minha janela, aliás, eu nem sei por onde ela anda. A lua não é mais minha vizinha, parece ter se mudado para os lados de Grrenpoint. O sol também não brilha mais como antes. E para completar, ontem levantei no meio da noite para calçar uma meia. Depois de um dia de praia e temperatura beirando os 35ºC, repentinamente tivemos que tirar os casacos do guarda-roupa. A penínsola está com ares de serra e embora tenha perdido um pouco do calor, não deixou de ser interessante. O inverno deve ser gostoso aqui, embora eu tenha ouvido dizer que chove praticamente todos os dias. Por enquanto ainda tenho esperança de pegar mais uns dias de praia.

Até o fim da semana devo saber a resposta sobre a renovação do meu visto. Se tudo der certo, ele será estendido por mais 3 meses. Ainda não sei se vou ficar até julho, tudo vai depender de eu conseguir um emprego que ajude a me bancar e a aprender inglês, caso contrário, vou fazer a tão sonhada viagem para a Namíbia como despedida e voltar pra casa.

Talvez eu não fique para curtir o frio, não sei. Só sei que continuo firme na filosofia de fazer planos a curto prazo. Só o hoje me interessa. O amanhã, quando ele chegar é que eu vou vivê-lo.

Cape Town 12: Learning


Vida vai, vida vem e eu continuo na casa da Rica. Como só tinha pago um mês de curso de inglês e hospedagem quando saí do Brasil, deveria deixar a host house quando a próxima estudante chegasse. Acontece que a Rica me deixou ficar. Pôs a filha a dividir o quarto com ela e me deu o quarto da filha (a Lisa, aquela que não descobri se não gosta de mim ou se não gosta de gente, mas que agora tenho certeza que não gosta de mim em virtude do acontecido). Só sei que para mim foi a melhor das opções. Continuei em Sea Point, meu cantinho preferido em C.T., num lugar seguro e onde posso cozinhar e lavar em casa a minha roupa – o que é bem importante quando se mora fora.

Com a vinda da nova estudante e posteriormente da irmã dela, já que as duas preferiram ficar na mesma casa, éramos cinco mulheres. Foi uma época bem boa. Um mês em que eu tive ótimas companhias para passear, almoçar, rachar o taxi e conversar depois da balada, quando eu normalmente voltava querendo compartilhar as minhas impressões em português. A Nahyana e a Morgana se tornaram minhas grandes amigas e fizeram especial a minha estadia em C.T. Quando elas foram embora demos para a Rica um cartão de thank you e um porta retrato com a foto de nós cinco. Ambos ela exibe orgulhosa no aparador da sala de jantar.

O gatinho de três patas ainda tenta ser meu amigo. O destino me deu a chance de conviver com um bicho de estimação para ver se eu perco esse medo ridículo, mas confesso que não estou muito interessada, embora ele seja realmente um amor de criatura. Toda vez que vou para o sofá com meu prato de Sucrilhos ele vem sentar do meu lado. Como vou me encolhendo, ele dá meia-volta e sai fora. Um dia sentei no braço do sofá, perto dele, porque estava disposta a uma aproximação, e ele abanou com a patinha da frente, fazendo sinal de “vem”, me pedindo para chegar mais perto. Naquele dia eu desconfiei que ele lê pensamento. Ele decifra o nosso humor e sabe quando se aproximar sem ser inconveniente.

Outro dia eu estava sentada na cama e ele apareceu no meu quarto. Queria subir na cama, junto comigo. Eu olhei para ele e pensei, nãoooo, gatinho, aqui não, então ele subiu na ponta oposta da cama e lá ficou encolhido. Como viu que eu não dava bola, virou a cara para a parede. Eu queria fazer alguma coisa para ser legal com ele, então liguei o computador e botei Tom Jobim para ele escutar. Com certeza ele teria preferido que eu fizesse um carinho, mas este seria um passo muito grande para eu dar naquele momento. Ele ouviu de olhinhos fechados.

Engraçado foi no dia da viagem para Jeffrey’s Bay. Abri a porta de casa e coloquei minhas malas no corredor. Em seguida vim buscar a bolsa no quarto e, de repente, quando olho, o gato está saindo pela porta. Comecei a me desesperar, porque eu jamais teria coragem de pegá-lo no colo e trazê-lo de volta, então quase chorei imaginando ele fugindo, eu perdendo a viagem e depois tendo que explicar para a Rica que deixei o gato dela escapar. Comecei a chamar, “please, come on little boy, come back, pleaseeeeeee” - e ele não me dava a menor bola. Deu uma voltinha no corredor, voltou e sentou em frente à porta. A esta altura eu já tinha tocado a campainha do vizinho para pedir ajuda, o próximo passo seria chamar o bombeiro ou a polícia, sei lá. Nisso resolvi prestar atenção no que ele estava fazendo. Ele estava sorrindo. Contando ninguém acredita, mas ele sentou em frente à porta e enquanto um vento forte batia na cara, ele mexia a cabeça bem devagar e sorria, como se dissesse: “hummmm, que delícia, que cheiro de liberdade”. Ele sorria sem mostrar os dentes, só fechava os olhos e franzia a carinha. Comecei a compreender a importância daquilo para ele. Posso não ter intimidade nenhuma com animais, mas acabei descobrindo que a minha facilidade para lidar com crianças pode ser útil no convívio com animais inteligentes. Então o deixei a vontade e fiquei mais a vontade também, até que ele deu meia-volta, entrou em casa sozinho e voltou para o sofá.

15.3.09

Cape Town 11: Enjoying Cape Town


É muito fácil gostar de Cape Town. Os brasileiros têm especial facilidade, pois alguma coisa na África do Sul lembra muito o Brasil. Algo que fica entre o céu e a terra. Algo que não pode ser visto, mas pode ser percebido pairando no ar. As vezes sinto como se estivesse em Balneário Camboriu e Floripa fosse ali do lado. Não me sinto como se estivesse a um oceano de distância, mas como se não tivesse saído do Brasil. Talvez ele é que não tenha saído de mim. Talvez é porque ele tenha saído da África...

Eu havia dito que poderia estar em qualquer outro lugar do mundo neste momento, que a minha experiência pessoal seria igualmente rica, mas me afeiçoei a Cape Town como se aprende a gostar de um futuro melhor amigo. Sinto-me agarrada à cidade como quem abraça um travesseiro imaginando ser uma pessoa querida.

Gosto de várias coisas em C.T., mas o que me fez realmente querer ficar, pode parecer ridículo, foi o por do sol de Sea Point. Lembro exatamente do dia em que larguei minhas malas no quarto e saí andando pela Beach Road. Tudo naquele passeio me encantou, desde o colorido do céu até a paz que ele me trouxe. Alguma coisa que eu não sei bem se estava na paisagem ou dentro de mim me avisava que eu vim para ficar. E eu sorria sozinha como se tivesse acabado de encontrar um tesouro, mas ainda não pudesse contar para ninguém. Era um misto de ansiedade e perplexidade. Era felicidade!

Isso me lembra que na leitura do meu mapa astral dizia que em determinado momento da vida eu poderia escolher onde queria morar. Um belo dia me sentiria livre o suficiente para dizer “é aqui que eu quero ficar”. Esse dia chegou mais rápido do que eu imaginei. Embora não saiba exatamente quanto tempo vou ficar, escolhi Cape Town como meu quarto no mundo, Sea Point como a minha cama, a África do Sul como a minha casa.

Não sei quanto tempo me resta, mas ainda que me reste pouco, tudo o que vivi nestes quase três meses valeu muito a pena. Experimentei sentimentos que só me trouxeram felicidade, plenitude e paz, o que me faz desconfiar que Cape Town também gosta de mim.

3.3.09

Cape Town 10: I need a hug


Hoje acordei, me olhei no espelho e concluí que além de um cabeleireiro eu preciso também de um abraço. Um abraço daqueles do meu pai: apertado, demorado, seguido de um beijo e um “eu te amo”. Se eu fizesse uma lista das melhores coisas da vida, o abraço do meu pai constaria nela. Não é um simples abraço, é uma forma de comunicação que transcende as palavras, é uma mágica troca de energia. Quando ele me abraça o coração dele diz pro meu: “eu estou contigo e sempre estarei, pode ficar tranquila”. E o meu coração, tranquilo, sorri e responde para o dele: “obrigada por ser meu pai. Obrigada!” A gente se abraça sem precisar de motivo, isso é o que eu acho mais legal. Eu não preciso estar de aniversário, eu posso simplesmente estar atravessando o corredor de casa, indo o quarto para a sala, e ser surpreendida por um longo e forte abraço. E tudo o que a gente quer dizer um para o outro nessa hora é dispensável. O silêncio do nosso abraço diz tudo.

Cape Town está ficando vazia e o meu coração também. Em duas semanas tive que me despedir de muitos amigos, de muitas pessoas que aprendi a gostar e a admirar e isso deixou um buraco enorme dentro de mim. É uma sensação de desamparo, de abandono, mas que não dura muito, eu confesso. Até porque, nos últimos dois anos da minha vida andei fazendo um “intensivão em despedidas forçadas” e a saudade já não me assusta tanto. O problema é que nessas horas a gente fica frágil, sente falta de casa, da família, do colo dos velhos amigos, enfim, de tudo o que nos dá segurança. A gente tende a se apegar demais nos amigos que conquista em pouco tempo. Eles chegam, fazem a gente feliz, se tornam importantes e vão embora... Mas como a vida é feita de indas e vindas, de encontros e despedidas, de sorrisos e lágrimas, não nos resta outra opção se não conviver com a saudade, que não necessariamente precisa ser triste, pode ser uma saudade boa.

Conjeturando a respeito percebi que no fundo não fico triste por perder a companhia das pessoas, mas pelo medo e a insegurança de não ter com quem contar caso não apareçam novos amigos para preencher o espaço. Porque as amizades que a gente construiu continuam firmes, independente do tempo e da distância. Os amigos foram embora, voltaram para as suas casas, mas continuam lá (e também no Orkut, msn, fotologs...). Cada um representa uma pecinha insubstituível no quebra-cabeça da nossa história de vida. Cada um é importante de um jeito, especial de um jeito. O problema é quando eles deixam a vaga livre e nenhum novo amigo a ocupa. Este é o meu medo. O que me assusta é esse vazio que eu nunca sei quanto tempo vai durar...

20.2.09

Cape Town 9: I'm so busy just living on


Quisera eu ter mais tempo para postar neste blog, mas ultimamente ando bem ocupada vivendo. Como já informei a família e os amigos, marquei a passagem para o dia 23 de março, mas tenho receio de que este dia chegue e eu não tenha vontade de ir embora de novo. Estou numa fase “deixa a vida me levar, vida leva eu”. Nada de cobranças e grandes responsabilidades, nada de sofrer por antecipação. Não vou desperdiçar meu hoje com um compromisso que vence na semana que vem, porque isso eu já faço em casa, no trabalho, na vida cotidiana. É por isso que me afastei da vida cotidiana, diga-se de passagem. Vim para a África do Sul aprender a me virar nos trinta (literalmente) e até agora tem dado tudo certo.

Esta viagem tem funcionado como um retiro espiritual para mim. É mais ou menos como se eu fosse uma ex-drogada em fase de reabilitação. Primeiro eu preciso me desfazer de tudo o que me faz mal, de tudo o que eu não gosto em mim, para poder deixar fluir meu lado bom (e já estou na fase de curtir o meu lado bom). Isto não vai ser uma transformação muito profunda, não vou aparecer no aeroporto enrolada num sarongue recitando frases do Mandela, só vou estar me sentindo mais feliz, pois foi para isso que eu vim.

Uma amiga me disse que quando a gente viaja sozinho é como se desse de cara com um grande espelho assim que desembarcasse no aeroporto. Longe de tudo e de todos a gente se vê sem disfarces ou interferências. A gente se lembra quem a gente é. Alguns traços da personalidade já desvirtuados ou esquecidos afloram e nos deparamos com defeitos e qualidades que nem lembrávamos que tínhamos, mas que com certeza todos aqueles que convivem com a gente conhecem bem. Eu, por exemplo, percebi com clareza que o meu jeito fechado intriga as pessoas a ponto de elas não saberem o que eu penso e o que eu sinto. É uma mistura de timidez e medo de me expor, talvez, que aqueles que convivem comigo até já se acostumaram, mas quem me conhece agora vê com um pouco de mistério e insegurança. Também me lembrei do meu jeito brabo e mal-humorado quando as situações não correm do jeito que eu esperava. Eu continuo braba como aquela menina que foi algumas vezes para a sala da diretora no colégio, só que eu hoje eu sou uma brabinha controlada. Todos os traços da nossa personalidade que nasceram com a gente permanecem para sempre dentro de nós, só que alguns se escondem e dão lugar a outros como consequencia da digestão dos sentimentos que a convivência nos impõe. É muito bom redescobrir tudo isso aos trinta anos. Nos dá a oportunidade de escolher quais os atributos queremos continuar carregando daqui para frente e quais queremos fechar numa gavetinha.

Estes dias o pôr-do-sol em Sea Point estava unânime. Saí para dar uma caminhada e na volta parei para contemplar o céu. O entardecer estava especialmente colorido e a brisa morna que soprava do mar me fazia suspirar e pensar: como eu sou feliz aqui! Então me dei conta de que ainda não tinha ido numa igreja, um costume que eu tenho sempre que viajo, mas todas as vezes que eu me deparava com este pôr-do-sol maravilhoso ou com o céu estrelado de C.T. eu conversava com Deus. O pôr-do-sol tem sido a minha igreja.


Neste dia eu estava sentada num banco da orla com o olhar perdido no horizonte inalando bem-estar e desfrutando de mais um momento ímpar da minha vida, enquanto buscava na mente esclarecer os propósitos desta viagem. Agradeci muito a Deus por todos os sentimentos bons que tenho ganhado de presente, quando o ouvi retrucar: “eu não fiz nada, foi você quem fez”. Até agora estou meio desconfiada de que ele deu uma forcinha, mas eu senti com clareza uma força me pedindo para agradecer a mim mesma naquele momento. Era a hora de eu constatar que existe um poder dentro de mim e que nem tudo depende dos outros ou precisa dos outros para acontecer. É a minha hora.

10.2.09

Cape Town 8: Rugby game


Desde que cheguei em C.T., há exatos 38 dias, me perguntava onde se escondiam os homens desta cidade. Os cafés e restaurantes de Sea Point só são freqüentados por gays (e gays gatinhos, o que é pior... homens com a cara do Brad Pitt dando selinho um no outro, ôoo dó!) e na balda só encontrava brasileiros, então onde estavam os sul-africanos? Já estava achando mais fácil topar com um leão ou uma zebra do que com um gato na balada.

Felizmente o último sábado contribuiu para eu melhorar meu conceito a este respeito.
Fomos a um torneio de rugby próximo ao estádio que estão construindo para a Copa e, para a nossa surpresa, todos os homens mais lindos do mundo estava lá. Sem exagero: nunca na minha vida vi tanto homem bonito junto! Altos, fortes, olhos claros e pele bronzeada, todos uniformizados. E o time das brasileiras incorporando o estilo turista-deslumbrada, se perguntando “genteee, por que não tem dessas coisas no Brasil?”. Em dado momento a Gabriela olhou para mim e perguntou: “quem ganhou?” Eu disse: "não sei, mas para mim foi o camisa 13!” Então assistimos aos jogos fazendo o que as mulheres fazem quando o assunto é esporte: avaliando o físico dos jogadores, já que a gente não entende nada de rugby mesmo.


Agora a pergunta não é mais se existem ou não homens de verdade aqui, mas como é que as pessoas se conhecem e começam a namorar neste raio de cidade.
Depois das partidas eles se reuniam em torno das mesas, enchiam as chuteiras de copp e viravam em menos de dez segundos, enquanto cantavam músicas que deviam ser os hinos do Clube do Bolinha. Mulheres de um lado e homens de outro, sem interagir, sem trocar olhares, como se vivessem sob um regime de apartheid sexual. Incompreensível para nós brasileiras, que saímos de lá desapontadas, pensando: “genteee, ainda bem que não é assim no Brasil”.

2.2.09

Cape Town 7: Sometimes I need myself


Quatro semanas se passaram e a sensação que tenho é de que a viagem está apenas começando. Pode ser por conta da minha vontade plenamente consciente de ficar um pouco mais.

Hoje fui a primeira a chegar na praia e quero ser a última a ir embora. Só saio daqui quando a Dalva vier me buscar ou quando o tiozinho vier recolher o guardassol alugado.
Curti cada minuto deste dia de sol e céu completamente azul como se fosse o último dia de uma noiva em lua-de-mel, rezando e implorando, seja quem for que mande no mundo, Deus, Alá ou Barak Obama, me deixe aqui mais um pouquinho!

Se bem que se fosse meu último dia de qualquer coisa eu não aproveitaria tanto, eu me conheço. Só de saber que seria o último (não posso nem ouvir esta palavra quando estou desfrutando do meu ócio), eu deixaria a ansiedade e a preocupação tomarem conta de mim e destruir os meus últimos o que quer que fossem.

No meu caso consigo aproveitar muito melhor as coisas no meio, naquele período depois da insegurança do início e antes da tristeza do fim. Os últimos dias me fazem sofrer por antecipação.

Cape Town tem me dado muitas coisas boas, mas poderia ser qualquer lugar do mundo: Nova Iorque, Namíbia ou a Floresta Amazônica, que eu estaria bem do mesmo jeito. O lugar para onde eu vim ou vou pouco me importa. O essencial é que eu esteja sozinha. Muitas vezes na vida precisei de intervalos assim. Tenho necessidade de me refugiar do mundo em um auto-exílio programado para me lembrar quem eu sou.

Vivemos numa sociedade violentamente consumista e preconceituosa e quando me vejo por vezes contaminada pelo sistema, perdendo meus objetivos espirituais e sendo arrastada por um fluxo de informações tendenciosas que eu não sei nem para onde vai, preciso parar. É hora de me isolar, de ir para longe de tudo e me resgatar.

Eu preciso me lembrar o que eu gosto de comer, vestir ou fazer sem me basear instintivamente no que estão comendo, vestindo ou fazendo. É hora de eu me assumir com os meus defeitos e qualidades e me lembrar dos meus mais particulares gostos, aqueles que a conturbada vida cotidiana insiste em massificar.

Hoje passei um dia inteiro sozinha na praia e me senti tão bem, tão feliz e renovada, que descobri que era isso o que eu precisava: de mim. Eu só precisava de mim!

Cape Town 6: Stars


Desde que cheguei a C.T., já nas primeiras noites, tive uma surpresa “brilhante” adornando o céu que enxergo da janela do meu quarto.
Alguns dizem que é o planeta Marte, mas eu prefiro chamar de estrela Dalva, porque um nome feminino cai melhor para aquilo que eu conheço como estrela. Ela é a primeira e mais brilhante que aparece no céu, bem cedo, antes do pôr-do-sol, e por isso imagino que seja hierarquicamente importante na constelação, tipo a chefe de todas as estrelas. Ela é a única que tem permissão para acompanhar a lua, por isso as vezes elas estão lado a lado, só as duas, se exibindo na frente da minha janela, tipo duas amigas que estão indo pra balada de roupa nova.
Escolhi a Dalva para ser a minha melhor amiga, porque nós duas temos algo em comum: estamos sozinhas na África do Sul. Ela no céu e eu na Terra. As vezes eu no céu também, junto com ela.

Pouco antes de eu vir para C.T., dirigia meu carro na estrada geral do bairro João Paulo, quando olhava para cima distraída (coisas de Ambelle, dirigir olhando para cima...) e vi uma estrela cadente. Foi um susto bom! Ela apareceu e sumiu com tanta rapidez, que eu nem tive tempo de avisar os amigos que estavam comigo no carro para que eles vissem também. Foi o passeio instantâneo de um comenta, ágil o suficiente para me dar a oportunidade de fazer um pedido e nada mais. Fiz o pedido cheia de fé e emoção, toda comovida com aquele fato inusitado. Pedi para ser feliz em Cape Town e especialmente hoje, no dia em que sinto meu coração sorrir de satisfação sem precisar de um motivo específico, agradeço àquele cometa.

Alguns dias depois de ter conquistado a confiança da Rica, minha host mother, ela me chamou no quarto dela para me dar um presente. Disse que tinha comprado para dar para alguém, mas nunca soube para quem, até que quis dar para mim. Adivinhem: uma estrela! Um pingente de estrela, daqueles de cristal.

Para completar a história sobre estrelas (se é que ela pára por aqui), estive estes dias no salão das minhas amigas coreanas (pausa: descobri que elas não são coreanas, são made in Taiwan), quando vi que elas também fazem tatuagem. O cara da maca ao lado (sim, eu faço o pé deitada numa maca, vai ver é o estilo oriental...) estava tatuando uma flor no braço e eu comecei a fazer perguntas, mais interessada em praticar inglês do que na tatuagem propriamente dita.
Foi então que uma delas me disse: por que você não faz uma estrela? Eu nem sabia o que responder, então devolvi a pergunta: “uma estrela?” E ela disse: “uma não, três, uma de cada cor.” Pensei comigo: uma boa forma de homenagear a Dalva, a estrela cadente para a qual eu fiz o pedido e a estrela que ganhei da Rica!

Bom, ainda não decidi fazer a tatoo, porque na verdade tinha um outro símbolo em mente e iria fazer quando terminasse o curso de cromoterapia, mas quem sabe eu não volte para o Brasil com o corpo estrelado, marcado por esta fase “brilhante” da minha vida?

Cape Town 5: Just alone


Passei um dia completamente sozinha em Cape Town e posso dizer que foi o melhor dia desde que cheguei. Os brasileiros do meu grupo foram todos embora, incluindo meus amigos-irmãos, Henrique e Rapha, então aproveitei para curtir a praia do jeito que eu mais gosto, lendo um bom livro.

O dia de hoje me lembrou um tempo em que morei sozinha na praia dos Açores, no verão. Foram dois verões consecutivos em que senti o gostinho de morar sozinha por um mês. Todas as manhãs eu ia à praia antes do trabalho. Ficar ali por mais ou menos três horas, curtindo o sol suave da manhã, me dava uma tranqüilidade tão grande que compensava trocar o Centro pela praia e encarar uma hora de trânsito todos os dias. Com as baterias recarregadas eu tinha tranquilidade suficiente para encarar o trânsito e a distância numa boa.

Praia me dá paz. E ir à praia na minha própria companhia é algo que inexplicavelmente me eleva o espírito. Solidão para mim nunca foi sinônimo de tristeza, muito pelo contrário, as vezes até me divirto na minha própria companhia, a ponto de ter que segurar o riso para ninguém achar que sou louca. Fico discutindo comigo em pensamento, decifrando meus sentimentos, esclarecendo situações. Sou capaz de voltar de uma caminhada na praia com todos os meus problemas resolvidos ou, se não, com serenidade suficiente para eliminar as preocupações que eles me trazem.

Tive um dia de rainha em Clifton Beach. A falta dos meus colegas brasileiros mais presentes até então não me entristeceu. Eles deixaram um vazio que agora está cheio de mim e que me dá a certeza de estar forte o suficiente para ficar por aqui mais um tempo. É uma sensação parecida com aquela que a gente tem lá pelos 13 anos, quando vira pra mãe e diz: “mãe, fiquei mocinha”. É uma irreversível sensação de maturidade, como se o futuro olhasse para a gente, impetuoso, esperando a confirmação: “sim, estou pronta”.

Nunca me senti tão gente grande como agora e isso não me assusta. Estou diante de um momento da vida que nem eu sei qual é. Ele não tem nome. É o momento em que a gente se sente dona da gente. Sei que o meu é agora e que estou preparada, porque há tempos esperava por ele.

27.1.09

Cape Town 4: What about her?


Amigas e família, desculpem a falta de comunicação, mas a minha terceira semana em Cape Town foi bem mais agitada do que as duas anteriores. Decidi ficar menos em casa e aproveitar mais os meus dias, e para isso precisei deixar os livros e a internet um pouco de lado. Fiz alguns passeios que estavam na minha lista, comprei gifts para vocês, peguei balada, conheci gente. Acho que só nesta semana me desliguei completamente do Brasil. Até então minhas preocupações e responsabilidades ainda me rondavam e eu não sorria tanto, não me sentia tão à vontade entre os estranhos, não tinha feito amigos além dos quais confiei logo de cara. Mas percebi que duas semanas tinham ido embora e a sensação era de que as passadas do tempo eram muito maiores do que as minhas pernas podiam alcançar. Antes que ele passasse por mim e me atropelasse, decidi correr. Agora parece que estamos lado a lado. Tenho feito tudo o que meus dias permitem e tenho ido dormir com a sensação de dever cumprido, de dia bem aproveitado.

Fiz programas básicos como conhecer o Cabo da Boa Esperança, embarcar numa trip de carro para Jeffrey’s Bay e escalar a Lion’s Head, com a diferença de que nada foi planejado. As oportunidades foram surgindo e eu fui topando. Ainda não me desafiei a ponto de saltar de parapente, mergulhar com os tubarões ou pular de bungee jump (estive diante do maior bungee jump de ponte do mundo e amarelei...), mas um dia quero poder contar esse tipo de novidade para vocês. Talvez numa próxima viagem... Por enquanto já está sendo um desafio morar na casa de estranhos, me virar com meu inglês tupiniquim e dirigir na mão inglesa.

Cape Town não é mais uma surpresa. Meu olhar em relação à cidade não é o de um turista recém-chegado, mas o de alguém que está se adaptando ao cotidiano e convivendo pacificamente com as diferenças. A pior delas para mim é a limpeza. Não é fácil para os brasileiros conviverem com os hábitos britânicos de higiene dos sul-africanos. Para se ter uma ideia, na primeira semana na host family encontrei um chumaço de pelo de gato na esponja da louça. Qual a chance de elas lavarem o prato do gato na pia da cozinha? Eles não têm tanque aqui e até os calçados são lavados na pia da cozinha (tem brasileiro que lava no chuveiro, mas eu não acho muito prático). Aos poucos tenho compreendido que não é uma questão de relaxamento ou ignorância, mas uma forte questão cultural. Eles convivem amigavelmente com a sujeira como se ela fizesse parte do cotidiano, afinal, ela está em tudo, em nós e nas coisas que nos cercam. A diferença é que nós brasileiros aprendemos a eliminá-la diante do menor vestígio, enquanto eles simplesmente a aceitam como fato natural. Na boa, prefiro continuar com meus dois banhos por dia. Agora que vi a esponja da louça, quem sabe três?

No mais, o povo de Cape Town é muito solícito. Eles têm paciência com o nosso inglês e nos atendem bem em todos os lugares. Os brasileiros são bem vistos aqui, pena que eu normalmente não tenho a sorte de ser reconhecida como tal. Acreditem, todos pensam que eu sou alemã, até os brasileiros de outros lugares. Talvez porque a maioria das brasileiras que estão aqui sejam morenas de cabelo e de pele, sei lá. Então tenho que explicar que Brasil é um país miscigenado e que o sul foi colonizado por alemães e italianos e blá blá blá blá. Ainda assim, as pessoas olham com cara de espanto. Neste fim de semana estávamos numa feirinha em uma cidade do interior, quando a vendedora da barraca de doce descobriu que éramos brasileiros e apontou para mim umas três vezes, perguntando: “mas ela também?”. Todos respondiam juntos “yesssssss”, mas não adiantava, ela continuava a me olhar incrédula.

13.1.09

Cape Town 3: "Raviones"




Sexta-feira teve um jantar judaico aqui em casa. Abri a porta da sala e dei de cara com uma mesa de pães, queijos e cuscus, toda caprichada, e uma montoeira de gente me olhando. A Rica me apresentou um por um e treinei meu inglês com todos eles, que fizeram várias perguntas sobre o Brasil. A nora da Rica queria saber sobre um tal de “raviones” e eu pensando, quem disse para ela que ravioli é comida típica no Brasil? Até que ela apontou para os meus pés e, num estralo, decifrei que “raviones” é a pronúncia britânico-africana para H-a-v-a-i-a-n-a-s. E viva a linguagem universal dos sinais! Se não fosse ela apontar para os chinelos eu teria dado um dos maiores bola-foras da minha vida, com uma resposta do tipo: não, no Brasil a gente come feijoada...

Falando em tradução, domingo fui à praia e os tiozinhos que vendiam água gritavam “azecrimcola and mineroota”. Virei para o Henrique e perguntei: que diabos ele fala depois de ice cream, que eu não entendo? Ele não tinha entendido nem a parte do ice cream, então chamei um deles e perguntei: “what do you say? Ice cream and what eles?” E ele, muito paciente, respondeu: “ice cream, cool drink and mineral water”. Mas com aquele sotaque afrikans eu seria capaz de passar o dia todo morrendo de sede e pensando: poxa, ninguém pra vender uma água nessa praia?

Ah, no sábado à tarde fiz a Wine Route (Rota dos Vinhos), passando por Stellenbosch e Franschhoek. Foi um dos passeios mais lindos que já fiz. Tanto o caminho quanto as vinícolas são apaixonantes. Já me disseram que as do Uruguai são melhores (sempre tem um pra desdenhar, né?), mas eu já achei todas elas perfeitas. São tipo umas fazendas cheias de capricho, corredores de plátanos na entrada, flores, árvores grandes que fazem umas sombras gostosas... fiquei com vontade de morar numa daquelas fazendas. Me deu paz, sabe? Vai ver foram as 15 taças de vinho. Brincadeira! Foi só um golinho cada uma. na degustação aprendi a conhecer e a apreciar os tipos de uva. Engraçado foi depois, na fábrica de brandy, que o cara explicou que o licor é diferente do vinho, devido ao teor de álcool não se sacode nem cheira, porque queima o nariz. É óbvio que a brasileirada sempre tem que fazer o que não deve e dali a pouco tinha gente dizendo: “uiiiiiiiii que coisa forte, ardeu meu olho”. E eu pensando comigo: bando de pobre, não sabe nem apreciar um bandy...

Sexta também foi dia de School’s Barbecue. Sobre isso não tenho muito o que contar, uma porque fiquei pouco (tive que ir embora cedo para fazer a social no jantar lá de casa) e outra porque só tinha brasileiro e deles eu estou de saco cheio. Ando com sede de novidade.

Esta semana quero aproveitar bastante, porque 7 dias se passaram e a sensação é de que o tempo está voando. Desse jeito vou ter que adiar a passagem e ficar mais um mesinho!

8.1.09

Cape Town 2: Second post


A Rica tem sido muito legal comigo. Vive repetindo que a casa dela é a minha casa e que, portanto, não preciso pedir para usar as coisas, posso ficar à vontade. Pelas regras do intercâmbio ela tem que me fornecer o café da manhã, mas não precisa necessariamente fazer meu café, mas ela faz. E as vezes faz o almoço também. Diz ela que não sabe cozinhar, mas faz para me ajudar, assim posso economizar dinheiro para os passeios.

E o gato, que está se achando meu amigo? Hoje a Rica saiu para trabalhar e fui para a cozinha esquentar meu almoço. Eis que ele aparece na porta, miando e olhando para mim. E o que se faz nessa hora? Sei que comecei a suar frio, pensando: e agora, como é que eu vou sair daqui com esse gato aí plantado? Abri a geladeira, fechei a geladeira, abri o microondas, fechei o microondas e nada de ele entender que era com ele. Comi em pé na cozinha com medo de passar pelo gato. Contei para a Rica quando ela chegou, mas ela insiste que ele gosta de mim. Ele miou para ela dizendo que me ama! E vocês acreditam que ele mia dizendo “mom”? Essa eu ouvi, ninguém me contou.

Hoje conversamos sobre o Apartheid. Perguntei como era naquela época. Ela disse que era terrível. Um bairro inteiro foi “desapropriado” porque ali, a partir de então, seria bairro de brancos. Aos negros foram reservados os subúrbios, enquanto os brancos se instalaram o centro da cidade. Brancos e negros não podiam conversar ou se olhar em público. Tudo era diferenciado: ônibus, bancos, restaurantes, bairros inteiros. Eu falei que hoje vejo cenas de igualdade aqui na África que não vejo no Brasil. Vejo muitos negros ocupando bons cargos, posições de destaque e de respeito, o que no Brasil é exceção. Ela disse que o apartheid realmente pôs fim à segregação, mas que ainda é um fator cultural forte, enraizado na sociedade. Concluí que por mais que o separatismo tenha sido extinto de forma política, enquanto regra ou lei, resquícios ainda contaminam o coração de alguns indivíduos. E isso não é Mandela nem governante algum que consegue exterminar, porque as regras são impostas de fora para dentro, enquanto a evolução espiritual (o que pressupõe enxergar o outro como semelhante) é construída de dentro para fora.

So, mudando de assunto, amanhã vou na lojinha de umas coreanas na Main Road buscar um espelho que encomendei. Nos espelhos aqui de casa só consigo ver a minha testa, isso se subir num banquinho! Das duas uma, ou o morador anterior era alto ou era português...

Falando em português, eles têm vários hábitos americanos aqui. Comem omelete no café, sanduíche no almoço e pizza o tempo todo. A comida é bem apimentada, até aquela que não combina com pimenta. Eles não costumam colocar gelo na bebida. Se pedir, num restaurante, eles não têm. Para a minha sorte, quase todos os restaurantes têm prato vegetariano.

Fazer a unha aqui, esquece. A mão custa 200 Rands (R$ 50,00) e eles priorizam a decoração. Para a cutícula elas não dão nem bola. É comum ver a mulherada com esmalte do mês passado, metade descascado e metade fosco. Eu trouxe o meu alicate, mas sinceramente tenho mais o que fazer em Cape Town do que tentar acertar a cutícula da mão direita com a mão esquerda. Passei só uma base que comprei das coreanas.

Ontem o Karl, aquele da República Tcheca, que é fotógrafo, me ajudou a regular a minha câmera. Ele me deu umas dicas e tirei umas fotos legais no city tour. Fiz a red line com o Hop on – Hop of bus e cliquei paisagens alucinantes. Qualquer lugar aqui é wonderful. Eu já disse isso, né? As ruas largas cheias de coqueiros lembram Miami. As construções mediterrâneas nas encostas lembram Capri. A água do mar a 15º C lembra Punta. Mas eu queria mesmo era estar no Zaire.

Ah, só para constar, estou escrevendo este post de frente para a janela do quarto, que fica de frente para a praia. O reflexo da lua no mar provoca um efeito cintilante, tipo uma chuva de glitter. Tipo aquelas luzes que piscam na Torre Eifflel. Tipo um véu de tule cravejado de cristal Swarovski. Tipo os pontos de energia do prana que aparecem e somem desgovernados. Tipo uma taça de Veuve Clicquot com as bolhinhas estourando...

6.1.09

Cape Town 1: First news from Africa




Amigos, família e demais interessados

Cheguei bem, já estou confortavelmente instalada na homestay e em dois dias o meu relógio biológico acertou os ponteiros: tenho fome ao meio-dia, sono às 23h e continua difícil acordar cedo – sinal de que o relógio está mesmo operando dentro do normal, considerando-se a diferença de fuso de 4 horas em relação ao Brasil.


Minha host, a Rica, tem de 59 anos, mas parece menos, é loira, olhos claros, baixinha e me trata muito bem. A filha dela, a Lisa, tem 29 anos, é morena de olhos azuis e tem cara de poucos amigos. Até agora não descobri se ela não gosta de mim ou se não gosta de gente. Tenho também um irmão da família dos felinos. Alguém aí já me imaginou dividindo a casa com um gato? Quem me conhece sabe que só tem um tipo de gato que eu gosto: morto! Isso que na ficha que preenchi disse que não gostava de animais de estimação. Aliás, isso aconteceu com vários brasileiros. Vai ver é porque aqui quase todo mundo tem bicho, principalmente as pessoas que se candidatam para receber intercambistas... Bom, pelo menos ele só tem 3 patas, assim sei que não vai correr atrás de mim. Se bem que ontem estávamos em casa, só nós dois (ele passa o dia em cima da cama da Rica) e dali a pouco apareceu na porta do meu quarto. Imagina o susto! Simplesmente disse: nooooooo e fechei a porta na cara dele. Mas concordo com a Rica, um dia seremos bons amigos, no dia em que eu for embora, decerto... Aliás, desta vez eu perco o medo de bichos ou adquiro uma fobia incurável, porque na escola tem um bull dog enorme, que dorme no chão da sala da diretora e deita a cabeça no colo das pessoas no sofá. Ele que venha com aquela cara babada no meu colo, pra ele ver!

Meu quarto tem vista para uma espécie de Copacabana sul-africana. Um lugar onde se caminha, corre, faz piquenique, aprecia a vista e pensa: Deus foi bom com a África, apesar de tudo.

Em pouco tempo já fiz dois amigos-irmãos. O Rafael, de Floripa, que me achou na comunidade de Cape Town no Orkut, mas só nos conhecemos pessoalmente aqui; e o Henrique, mineiro, 29 anos, muito gentil e muito casado. Toda vez que saio com o Henrique acham que estamos juntos. Aí ele diz: “no, she is not my wife” e eu reforço, mostrando os dedos e dizendo: “look, I don’t have a ring”.

Foi impossível não me juntar a outros brasileiros, eles formam 80% dos estudantes da Cape Studies. Dos 8 alunos da minha classe, tem apenas um da República Tcheca. Ah, e por coincidência, um dos brasileiros é amigo do Gustavinho Santos, mineiro de Oliveira, que conheci no intercâmbio que fiz para os Estados Unidos em 2001.

Por enquanto conheci a África dos turistas que, diga-se de passagem, está muito longe da África que eu gostaria de conhecer. Cape Town é uma cidade incrível, qualquer um de vocês gostaria daqui. É uma mistura de Campos do Jordão com Balneário Camboriu, como se esse mix fosse na Europa, entende? É uma Porto Seguro redesenhada no paraíso. É a África do primeiro mundo. A beleza chega a ser banal. Qualquer lugar é paisagem impecável para uma foto. O Waterfront é seguramente um dos points mais lindos e chiques do mundo (vocês vão ver nas fotos). Tem gente de todas as nacionalidades aqui. Tem loiros de olhos claros 100% africanos. Tem negros estilosos comprando na Gucci. Tem muçulmano para tudo que é lado também.
Essas cenas me fazem pensar que a África do Sul está bem próxima do país que eu gostaria de construir se eu fosse o Dom Quixote. Uma nação miscigenada, onde as pessoas se misturam e convivem displicentemente com com as diferenças. É claro que o preconceito e a disparidade social são perceptíveis no cotidiano da cidade, mas também é visível que o fim do apartheid deu um basta na segregação. Pelo menos eu vi cenas de igualdade que nunca vi e não sei se um dia vou ver no Brasil. Gostei daqui.