Quem sou eu

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Nasci em Floripa, vivo em Miami e sou apaixonada pela África. Adoro viajar e explorar novas culturas. Tenho especial interesse pelas diferenças. Este é o meu caderno de 'viagens' aberto ao publico. Seja bem-vindo (a)!

20.2.09

Cape Town 9: I'm so busy just living on


Quisera eu ter mais tempo para postar neste blog, mas ultimamente ando bem ocupada vivendo. Como já informei a família e os amigos, marquei a passagem para o dia 23 de março, mas tenho receio de que este dia chegue e eu não tenha vontade de ir embora de novo. Estou numa fase “deixa a vida me levar, vida leva eu”. Nada de cobranças e grandes responsabilidades, nada de sofrer por antecipação. Não vou desperdiçar meu hoje com um compromisso que vence na semana que vem, porque isso eu já faço em casa, no trabalho, na vida cotidiana. É por isso que me afastei da vida cotidiana, diga-se de passagem. Vim para a África do Sul aprender a me virar nos trinta (literalmente) e até agora tem dado tudo certo.

Esta viagem tem funcionado como um retiro espiritual para mim. É mais ou menos como se eu fosse uma ex-drogada em fase de reabilitação. Primeiro eu preciso me desfazer de tudo o que me faz mal, de tudo o que eu não gosto em mim, para poder deixar fluir meu lado bom (e já estou na fase de curtir o meu lado bom). Isto não vai ser uma transformação muito profunda, não vou aparecer no aeroporto enrolada num sarongue recitando frases do Mandela, só vou estar me sentindo mais feliz, pois foi para isso que eu vim.

Uma amiga me disse que quando a gente viaja sozinho é como se desse de cara com um grande espelho assim que desembarcasse no aeroporto. Longe de tudo e de todos a gente se vê sem disfarces ou interferências. A gente se lembra quem a gente é. Alguns traços da personalidade já desvirtuados ou esquecidos afloram e nos deparamos com defeitos e qualidades que nem lembrávamos que tínhamos, mas que com certeza todos aqueles que convivem com a gente conhecem bem. Eu, por exemplo, percebi com clareza que o meu jeito fechado intriga as pessoas a ponto de elas não saberem o que eu penso e o que eu sinto. É uma mistura de timidez e medo de me expor, talvez, que aqueles que convivem comigo até já se acostumaram, mas quem me conhece agora vê com um pouco de mistério e insegurança. Também me lembrei do meu jeito brabo e mal-humorado quando as situações não correm do jeito que eu esperava. Eu continuo braba como aquela menina que foi algumas vezes para a sala da diretora no colégio, só que eu hoje eu sou uma brabinha controlada. Todos os traços da nossa personalidade que nasceram com a gente permanecem para sempre dentro de nós, só que alguns se escondem e dão lugar a outros como consequencia da digestão dos sentimentos que a convivência nos impõe. É muito bom redescobrir tudo isso aos trinta anos. Nos dá a oportunidade de escolher quais os atributos queremos continuar carregando daqui para frente e quais queremos fechar numa gavetinha.

Estes dias o pôr-do-sol em Sea Point estava unânime. Saí para dar uma caminhada e na volta parei para contemplar o céu. O entardecer estava especialmente colorido e a brisa morna que soprava do mar me fazia suspirar e pensar: como eu sou feliz aqui! Então me dei conta de que ainda não tinha ido numa igreja, um costume que eu tenho sempre que viajo, mas todas as vezes que eu me deparava com este pôr-do-sol maravilhoso ou com o céu estrelado de C.T. eu conversava com Deus. O pôr-do-sol tem sido a minha igreja.


Neste dia eu estava sentada num banco da orla com o olhar perdido no horizonte inalando bem-estar e desfrutando de mais um momento ímpar da minha vida, enquanto buscava na mente esclarecer os propósitos desta viagem. Agradeci muito a Deus por todos os sentimentos bons que tenho ganhado de presente, quando o ouvi retrucar: “eu não fiz nada, foi você quem fez”. Até agora estou meio desconfiada de que ele deu uma forcinha, mas eu senti com clareza uma força me pedindo para agradecer a mim mesma naquele momento. Era a hora de eu constatar que existe um poder dentro de mim e que nem tudo depende dos outros ou precisa dos outros para acontecer. É a minha hora.

10.2.09

Cape Town 8: Rugby game


Desde que cheguei em C.T., há exatos 38 dias, me perguntava onde se escondiam os homens desta cidade. Os cafés e restaurantes de Sea Point só são freqüentados por gays (e gays gatinhos, o que é pior... homens com a cara do Brad Pitt dando selinho um no outro, ôoo dó!) e na balda só encontrava brasileiros, então onde estavam os sul-africanos? Já estava achando mais fácil topar com um leão ou uma zebra do que com um gato na balada.

Felizmente o último sábado contribuiu para eu melhorar meu conceito a este respeito.
Fomos a um torneio de rugby próximo ao estádio que estão construindo para a Copa e, para a nossa surpresa, todos os homens mais lindos do mundo estava lá. Sem exagero: nunca na minha vida vi tanto homem bonito junto! Altos, fortes, olhos claros e pele bronzeada, todos uniformizados. E o time das brasileiras incorporando o estilo turista-deslumbrada, se perguntando “genteee, por que não tem dessas coisas no Brasil?”. Em dado momento a Gabriela olhou para mim e perguntou: “quem ganhou?” Eu disse: "não sei, mas para mim foi o camisa 13!” Então assistimos aos jogos fazendo o que as mulheres fazem quando o assunto é esporte: avaliando o físico dos jogadores, já que a gente não entende nada de rugby mesmo.


Agora a pergunta não é mais se existem ou não homens de verdade aqui, mas como é que as pessoas se conhecem e começam a namorar neste raio de cidade.
Depois das partidas eles se reuniam em torno das mesas, enchiam as chuteiras de copp e viravam em menos de dez segundos, enquanto cantavam músicas que deviam ser os hinos do Clube do Bolinha. Mulheres de um lado e homens de outro, sem interagir, sem trocar olhares, como se vivessem sob um regime de apartheid sexual. Incompreensível para nós brasileiras, que saímos de lá desapontadas, pensando: “genteee, ainda bem que não é assim no Brasil”.

2.2.09

Cape Town 7: Sometimes I need myself


Quatro semanas se passaram e a sensação que tenho é de que a viagem está apenas começando. Pode ser por conta da minha vontade plenamente consciente de ficar um pouco mais.

Hoje fui a primeira a chegar na praia e quero ser a última a ir embora. Só saio daqui quando a Dalva vier me buscar ou quando o tiozinho vier recolher o guardassol alugado.
Curti cada minuto deste dia de sol e céu completamente azul como se fosse o último dia de uma noiva em lua-de-mel, rezando e implorando, seja quem for que mande no mundo, Deus, Alá ou Barak Obama, me deixe aqui mais um pouquinho!

Se bem que se fosse meu último dia de qualquer coisa eu não aproveitaria tanto, eu me conheço. Só de saber que seria o último (não posso nem ouvir esta palavra quando estou desfrutando do meu ócio), eu deixaria a ansiedade e a preocupação tomarem conta de mim e destruir os meus últimos o que quer que fossem.

No meu caso consigo aproveitar muito melhor as coisas no meio, naquele período depois da insegurança do início e antes da tristeza do fim. Os últimos dias me fazem sofrer por antecipação.

Cape Town tem me dado muitas coisas boas, mas poderia ser qualquer lugar do mundo: Nova Iorque, Namíbia ou a Floresta Amazônica, que eu estaria bem do mesmo jeito. O lugar para onde eu vim ou vou pouco me importa. O essencial é que eu esteja sozinha. Muitas vezes na vida precisei de intervalos assim. Tenho necessidade de me refugiar do mundo em um auto-exílio programado para me lembrar quem eu sou.

Vivemos numa sociedade violentamente consumista e preconceituosa e quando me vejo por vezes contaminada pelo sistema, perdendo meus objetivos espirituais e sendo arrastada por um fluxo de informações tendenciosas que eu não sei nem para onde vai, preciso parar. É hora de me isolar, de ir para longe de tudo e me resgatar.

Eu preciso me lembrar o que eu gosto de comer, vestir ou fazer sem me basear instintivamente no que estão comendo, vestindo ou fazendo. É hora de eu me assumir com os meus defeitos e qualidades e me lembrar dos meus mais particulares gostos, aqueles que a conturbada vida cotidiana insiste em massificar.

Hoje passei um dia inteiro sozinha na praia e me senti tão bem, tão feliz e renovada, que descobri que era isso o que eu precisava: de mim. Eu só precisava de mim!

Cape Town 6: Stars


Desde que cheguei a C.T., já nas primeiras noites, tive uma surpresa “brilhante” adornando o céu que enxergo da janela do meu quarto.
Alguns dizem que é o planeta Marte, mas eu prefiro chamar de estrela Dalva, porque um nome feminino cai melhor para aquilo que eu conheço como estrela. Ela é a primeira e mais brilhante que aparece no céu, bem cedo, antes do pôr-do-sol, e por isso imagino que seja hierarquicamente importante na constelação, tipo a chefe de todas as estrelas. Ela é a única que tem permissão para acompanhar a lua, por isso as vezes elas estão lado a lado, só as duas, se exibindo na frente da minha janela, tipo duas amigas que estão indo pra balada de roupa nova.
Escolhi a Dalva para ser a minha melhor amiga, porque nós duas temos algo em comum: estamos sozinhas na África do Sul. Ela no céu e eu na Terra. As vezes eu no céu também, junto com ela.

Pouco antes de eu vir para C.T., dirigia meu carro na estrada geral do bairro João Paulo, quando olhava para cima distraída (coisas de Ambelle, dirigir olhando para cima...) e vi uma estrela cadente. Foi um susto bom! Ela apareceu e sumiu com tanta rapidez, que eu nem tive tempo de avisar os amigos que estavam comigo no carro para que eles vissem também. Foi o passeio instantâneo de um comenta, ágil o suficiente para me dar a oportunidade de fazer um pedido e nada mais. Fiz o pedido cheia de fé e emoção, toda comovida com aquele fato inusitado. Pedi para ser feliz em Cape Town e especialmente hoje, no dia em que sinto meu coração sorrir de satisfação sem precisar de um motivo específico, agradeço àquele cometa.

Alguns dias depois de ter conquistado a confiança da Rica, minha host mother, ela me chamou no quarto dela para me dar um presente. Disse que tinha comprado para dar para alguém, mas nunca soube para quem, até que quis dar para mim. Adivinhem: uma estrela! Um pingente de estrela, daqueles de cristal.

Para completar a história sobre estrelas (se é que ela pára por aqui), estive estes dias no salão das minhas amigas coreanas (pausa: descobri que elas não são coreanas, são made in Taiwan), quando vi que elas também fazem tatuagem. O cara da maca ao lado (sim, eu faço o pé deitada numa maca, vai ver é o estilo oriental...) estava tatuando uma flor no braço e eu comecei a fazer perguntas, mais interessada em praticar inglês do que na tatuagem propriamente dita.
Foi então que uma delas me disse: por que você não faz uma estrela? Eu nem sabia o que responder, então devolvi a pergunta: “uma estrela?” E ela disse: “uma não, três, uma de cada cor.” Pensei comigo: uma boa forma de homenagear a Dalva, a estrela cadente para a qual eu fiz o pedido e a estrela que ganhei da Rica!

Bom, ainda não decidi fazer a tatoo, porque na verdade tinha um outro símbolo em mente e iria fazer quando terminasse o curso de cromoterapia, mas quem sabe eu não volte para o Brasil com o corpo estrelado, marcado por esta fase “brilhante” da minha vida?

Cape Town 5: Just alone


Passei um dia completamente sozinha em Cape Town e posso dizer que foi o melhor dia desde que cheguei. Os brasileiros do meu grupo foram todos embora, incluindo meus amigos-irmãos, Henrique e Rapha, então aproveitei para curtir a praia do jeito que eu mais gosto, lendo um bom livro.

O dia de hoje me lembrou um tempo em que morei sozinha na praia dos Açores, no verão. Foram dois verões consecutivos em que senti o gostinho de morar sozinha por um mês. Todas as manhãs eu ia à praia antes do trabalho. Ficar ali por mais ou menos três horas, curtindo o sol suave da manhã, me dava uma tranqüilidade tão grande que compensava trocar o Centro pela praia e encarar uma hora de trânsito todos os dias. Com as baterias recarregadas eu tinha tranquilidade suficiente para encarar o trânsito e a distância numa boa.

Praia me dá paz. E ir à praia na minha própria companhia é algo que inexplicavelmente me eleva o espírito. Solidão para mim nunca foi sinônimo de tristeza, muito pelo contrário, as vezes até me divirto na minha própria companhia, a ponto de ter que segurar o riso para ninguém achar que sou louca. Fico discutindo comigo em pensamento, decifrando meus sentimentos, esclarecendo situações. Sou capaz de voltar de uma caminhada na praia com todos os meus problemas resolvidos ou, se não, com serenidade suficiente para eliminar as preocupações que eles me trazem.

Tive um dia de rainha em Clifton Beach. A falta dos meus colegas brasileiros mais presentes até então não me entristeceu. Eles deixaram um vazio que agora está cheio de mim e que me dá a certeza de estar forte o suficiente para ficar por aqui mais um tempo. É uma sensação parecida com aquela que a gente tem lá pelos 13 anos, quando vira pra mãe e diz: “mãe, fiquei mocinha”. É uma irreversível sensação de maturidade, como se o futuro olhasse para a gente, impetuoso, esperando a confirmação: “sim, estou pronta”.

Nunca me senti tão gente grande como agora e isso não me assusta. Estou diante de um momento da vida que nem eu sei qual é. Ele não tem nome. É o momento em que a gente se sente dona da gente. Sei que o meu é agora e que estou preparada, porque há tempos esperava por ele.