Quem sou eu

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Nasci em Floripa, vivo em Miami e sou apaixonada pela África. Adoro viajar e explorar novas culturas. Tenho especial interesse pelas diferenças. Este é o meu caderno de 'viagens' aberto ao publico. Seja bem-vindo (a)!

27.1.09

Cape Town 4: What about her?


Amigas e família, desculpem a falta de comunicação, mas a minha terceira semana em Cape Town foi bem mais agitada do que as duas anteriores. Decidi ficar menos em casa e aproveitar mais os meus dias, e para isso precisei deixar os livros e a internet um pouco de lado. Fiz alguns passeios que estavam na minha lista, comprei gifts para vocês, peguei balada, conheci gente. Acho que só nesta semana me desliguei completamente do Brasil. Até então minhas preocupações e responsabilidades ainda me rondavam e eu não sorria tanto, não me sentia tão à vontade entre os estranhos, não tinha feito amigos além dos quais confiei logo de cara. Mas percebi que duas semanas tinham ido embora e a sensação era de que as passadas do tempo eram muito maiores do que as minhas pernas podiam alcançar. Antes que ele passasse por mim e me atropelasse, decidi correr. Agora parece que estamos lado a lado. Tenho feito tudo o que meus dias permitem e tenho ido dormir com a sensação de dever cumprido, de dia bem aproveitado.

Fiz programas básicos como conhecer o Cabo da Boa Esperança, embarcar numa trip de carro para Jeffrey’s Bay e escalar a Lion’s Head, com a diferença de que nada foi planejado. As oportunidades foram surgindo e eu fui topando. Ainda não me desafiei a ponto de saltar de parapente, mergulhar com os tubarões ou pular de bungee jump (estive diante do maior bungee jump de ponte do mundo e amarelei...), mas um dia quero poder contar esse tipo de novidade para vocês. Talvez numa próxima viagem... Por enquanto já está sendo um desafio morar na casa de estranhos, me virar com meu inglês tupiniquim e dirigir na mão inglesa.

Cape Town não é mais uma surpresa. Meu olhar em relação à cidade não é o de um turista recém-chegado, mas o de alguém que está se adaptando ao cotidiano e convivendo pacificamente com as diferenças. A pior delas para mim é a limpeza. Não é fácil para os brasileiros conviverem com os hábitos britânicos de higiene dos sul-africanos. Para se ter uma ideia, na primeira semana na host family encontrei um chumaço de pelo de gato na esponja da louça. Qual a chance de elas lavarem o prato do gato na pia da cozinha? Eles não têm tanque aqui e até os calçados são lavados na pia da cozinha (tem brasileiro que lava no chuveiro, mas eu não acho muito prático). Aos poucos tenho compreendido que não é uma questão de relaxamento ou ignorância, mas uma forte questão cultural. Eles convivem amigavelmente com a sujeira como se ela fizesse parte do cotidiano, afinal, ela está em tudo, em nós e nas coisas que nos cercam. A diferença é que nós brasileiros aprendemos a eliminá-la diante do menor vestígio, enquanto eles simplesmente a aceitam como fato natural. Na boa, prefiro continuar com meus dois banhos por dia. Agora que vi a esponja da louça, quem sabe três?

No mais, o povo de Cape Town é muito solícito. Eles têm paciência com o nosso inglês e nos atendem bem em todos os lugares. Os brasileiros são bem vistos aqui, pena que eu normalmente não tenho a sorte de ser reconhecida como tal. Acreditem, todos pensam que eu sou alemã, até os brasileiros de outros lugares. Talvez porque a maioria das brasileiras que estão aqui sejam morenas de cabelo e de pele, sei lá. Então tenho que explicar que Brasil é um país miscigenado e que o sul foi colonizado por alemães e italianos e blá blá blá blá. Ainda assim, as pessoas olham com cara de espanto. Neste fim de semana estávamos numa feirinha em uma cidade do interior, quando a vendedora da barraca de doce descobriu que éramos brasileiros e apontou para mim umas três vezes, perguntando: “mas ela também?”. Todos respondiam juntos “yesssssss”, mas não adiantava, ela continuava a me olhar incrédula.

13.1.09

Cape Town 3: "Raviones"




Sexta-feira teve um jantar judaico aqui em casa. Abri a porta da sala e dei de cara com uma mesa de pães, queijos e cuscus, toda caprichada, e uma montoeira de gente me olhando. A Rica me apresentou um por um e treinei meu inglês com todos eles, que fizeram várias perguntas sobre o Brasil. A nora da Rica queria saber sobre um tal de “raviones” e eu pensando, quem disse para ela que ravioli é comida típica no Brasil? Até que ela apontou para os meus pés e, num estralo, decifrei que “raviones” é a pronúncia britânico-africana para H-a-v-a-i-a-n-a-s. E viva a linguagem universal dos sinais! Se não fosse ela apontar para os chinelos eu teria dado um dos maiores bola-foras da minha vida, com uma resposta do tipo: não, no Brasil a gente come feijoada...

Falando em tradução, domingo fui à praia e os tiozinhos que vendiam água gritavam “azecrimcola and mineroota”. Virei para o Henrique e perguntei: que diabos ele fala depois de ice cream, que eu não entendo? Ele não tinha entendido nem a parte do ice cream, então chamei um deles e perguntei: “what do you say? Ice cream and what eles?” E ele, muito paciente, respondeu: “ice cream, cool drink and mineral water”. Mas com aquele sotaque afrikans eu seria capaz de passar o dia todo morrendo de sede e pensando: poxa, ninguém pra vender uma água nessa praia?

Ah, no sábado à tarde fiz a Wine Route (Rota dos Vinhos), passando por Stellenbosch e Franschhoek. Foi um dos passeios mais lindos que já fiz. Tanto o caminho quanto as vinícolas são apaixonantes. Já me disseram que as do Uruguai são melhores (sempre tem um pra desdenhar, né?), mas eu já achei todas elas perfeitas. São tipo umas fazendas cheias de capricho, corredores de plátanos na entrada, flores, árvores grandes que fazem umas sombras gostosas... fiquei com vontade de morar numa daquelas fazendas. Me deu paz, sabe? Vai ver foram as 15 taças de vinho. Brincadeira! Foi só um golinho cada uma. na degustação aprendi a conhecer e a apreciar os tipos de uva. Engraçado foi depois, na fábrica de brandy, que o cara explicou que o licor é diferente do vinho, devido ao teor de álcool não se sacode nem cheira, porque queima o nariz. É óbvio que a brasileirada sempre tem que fazer o que não deve e dali a pouco tinha gente dizendo: “uiiiiiiiii que coisa forte, ardeu meu olho”. E eu pensando comigo: bando de pobre, não sabe nem apreciar um bandy...

Sexta também foi dia de School’s Barbecue. Sobre isso não tenho muito o que contar, uma porque fiquei pouco (tive que ir embora cedo para fazer a social no jantar lá de casa) e outra porque só tinha brasileiro e deles eu estou de saco cheio. Ando com sede de novidade.

Esta semana quero aproveitar bastante, porque 7 dias se passaram e a sensação é de que o tempo está voando. Desse jeito vou ter que adiar a passagem e ficar mais um mesinho!

8.1.09

Cape Town 2: Second post


A Rica tem sido muito legal comigo. Vive repetindo que a casa dela é a minha casa e que, portanto, não preciso pedir para usar as coisas, posso ficar à vontade. Pelas regras do intercâmbio ela tem que me fornecer o café da manhã, mas não precisa necessariamente fazer meu café, mas ela faz. E as vezes faz o almoço também. Diz ela que não sabe cozinhar, mas faz para me ajudar, assim posso economizar dinheiro para os passeios.

E o gato, que está se achando meu amigo? Hoje a Rica saiu para trabalhar e fui para a cozinha esquentar meu almoço. Eis que ele aparece na porta, miando e olhando para mim. E o que se faz nessa hora? Sei que comecei a suar frio, pensando: e agora, como é que eu vou sair daqui com esse gato aí plantado? Abri a geladeira, fechei a geladeira, abri o microondas, fechei o microondas e nada de ele entender que era com ele. Comi em pé na cozinha com medo de passar pelo gato. Contei para a Rica quando ela chegou, mas ela insiste que ele gosta de mim. Ele miou para ela dizendo que me ama! E vocês acreditam que ele mia dizendo “mom”? Essa eu ouvi, ninguém me contou.

Hoje conversamos sobre o Apartheid. Perguntei como era naquela época. Ela disse que era terrível. Um bairro inteiro foi “desapropriado” porque ali, a partir de então, seria bairro de brancos. Aos negros foram reservados os subúrbios, enquanto os brancos se instalaram o centro da cidade. Brancos e negros não podiam conversar ou se olhar em público. Tudo era diferenciado: ônibus, bancos, restaurantes, bairros inteiros. Eu falei que hoje vejo cenas de igualdade aqui na África que não vejo no Brasil. Vejo muitos negros ocupando bons cargos, posições de destaque e de respeito, o que no Brasil é exceção. Ela disse que o apartheid realmente pôs fim à segregação, mas que ainda é um fator cultural forte, enraizado na sociedade. Concluí que por mais que o separatismo tenha sido extinto de forma política, enquanto regra ou lei, resquícios ainda contaminam o coração de alguns indivíduos. E isso não é Mandela nem governante algum que consegue exterminar, porque as regras são impostas de fora para dentro, enquanto a evolução espiritual (o que pressupõe enxergar o outro como semelhante) é construída de dentro para fora.

So, mudando de assunto, amanhã vou na lojinha de umas coreanas na Main Road buscar um espelho que encomendei. Nos espelhos aqui de casa só consigo ver a minha testa, isso se subir num banquinho! Das duas uma, ou o morador anterior era alto ou era português...

Falando em português, eles têm vários hábitos americanos aqui. Comem omelete no café, sanduíche no almoço e pizza o tempo todo. A comida é bem apimentada, até aquela que não combina com pimenta. Eles não costumam colocar gelo na bebida. Se pedir, num restaurante, eles não têm. Para a minha sorte, quase todos os restaurantes têm prato vegetariano.

Fazer a unha aqui, esquece. A mão custa 200 Rands (R$ 50,00) e eles priorizam a decoração. Para a cutícula elas não dão nem bola. É comum ver a mulherada com esmalte do mês passado, metade descascado e metade fosco. Eu trouxe o meu alicate, mas sinceramente tenho mais o que fazer em Cape Town do que tentar acertar a cutícula da mão direita com a mão esquerda. Passei só uma base que comprei das coreanas.

Ontem o Karl, aquele da República Tcheca, que é fotógrafo, me ajudou a regular a minha câmera. Ele me deu umas dicas e tirei umas fotos legais no city tour. Fiz a red line com o Hop on – Hop of bus e cliquei paisagens alucinantes. Qualquer lugar aqui é wonderful. Eu já disse isso, né? As ruas largas cheias de coqueiros lembram Miami. As construções mediterrâneas nas encostas lembram Capri. A água do mar a 15º C lembra Punta. Mas eu queria mesmo era estar no Zaire.

Ah, só para constar, estou escrevendo este post de frente para a janela do quarto, que fica de frente para a praia. O reflexo da lua no mar provoca um efeito cintilante, tipo uma chuva de glitter. Tipo aquelas luzes que piscam na Torre Eifflel. Tipo um véu de tule cravejado de cristal Swarovski. Tipo os pontos de energia do prana que aparecem e somem desgovernados. Tipo uma taça de Veuve Clicquot com as bolhinhas estourando...

6.1.09

Cape Town 1: First news from Africa




Amigos, família e demais interessados

Cheguei bem, já estou confortavelmente instalada na homestay e em dois dias o meu relógio biológico acertou os ponteiros: tenho fome ao meio-dia, sono às 23h e continua difícil acordar cedo – sinal de que o relógio está mesmo operando dentro do normal, considerando-se a diferença de fuso de 4 horas em relação ao Brasil.


Minha host, a Rica, tem de 59 anos, mas parece menos, é loira, olhos claros, baixinha e me trata muito bem. A filha dela, a Lisa, tem 29 anos, é morena de olhos azuis e tem cara de poucos amigos. Até agora não descobri se ela não gosta de mim ou se não gosta de gente. Tenho também um irmão da família dos felinos. Alguém aí já me imaginou dividindo a casa com um gato? Quem me conhece sabe que só tem um tipo de gato que eu gosto: morto! Isso que na ficha que preenchi disse que não gostava de animais de estimação. Aliás, isso aconteceu com vários brasileiros. Vai ver é porque aqui quase todo mundo tem bicho, principalmente as pessoas que se candidatam para receber intercambistas... Bom, pelo menos ele só tem 3 patas, assim sei que não vai correr atrás de mim. Se bem que ontem estávamos em casa, só nós dois (ele passa o dia em cima da cama da Rica) e dali a pouco apareceu na porta do meu quarto. Imagina o susto! Simplesmente disse: nooooooo e fechei a porta na cara dele. Mas concordo com a Rica, um dia seremos bons amigos, no dia em que eu for embora, decerto... Aliás, desta vez eu perco o medo de bichos ou adquiro uma fobia incurável, porque na escola tem um bull dog enorme, que dorme no chão da sala da diretora e deita a cabeça no colo das pessoas no sofá. Ele que venha com aquela cara babada no meu colo, pra ele ver!

Meu quarto tem vista para uma espécie de Copacabana sul-africana. Um lugar onde se caminha, corre, faz piquenique, aprecia a vista e pensa: Deus foi bom com a África, apesar de tudo.

Em pouco tempo já fiz dois amigos-irmãos. O Rafael, de Floripa, que me achou na comunidade de Cape Town no Orkut, mas só nos conhecemos pessoalmente aqui; e o Henrique, mineiro, 29 anos, muito gentil e muito casado. Toda vez que saio com o Henrique acham que estamos juntos. Aí ele diz: “no, she is not my wife” e eu reforço, mostrando os dedos e dizendo: “look, I don’t have a ring”.

Foi impossível não me juntar a outros brasileiros, eles formam 80% dos estudantes da Cape Studies. Dos 8 alunos da minha classe, tem apenas um da República Tcheca. Ah, e por coincidência, um dos brasileiros é amigo do Gustavinho Santos, mineiro de Oliveira, que conheci no intercâmbio que fiz para os Estados Unidos em 2001.

Por enquanto conheci a África dos turistas que, diga-se de passagem, está muito longe da África que eu gostaria de conhecer. Cape Town é uma cidade incrível, qualquer um de vocês gostaria daqui. É uma mistura de Campos do Jordão com Balneário Camboriu, como se esse mix fosse na Europa, entende? É uma Porto Seguro redesenhada no paraíso. É a África do primeiro mundo. A beleza chega a ser banal. Qualquer lugar é paisagem impecável para uma foto. O Waterfront é seguramente um dos points mais lindos e chiques do mundo (vocês vão ver nas fotos). Tem gente de todas as nacionalidades aqui. Tem loiros de olhos claros 100% africanos. Tem negros estilosos comprando na Gucci. Tem muçulmano para tudo que é lado também.
Essas cenas me fazem pensar que a África do Sul está bem próxima do país que eu gostaria de construir se eu fosse o Dom Quixote. Uma nação miscigenada, onde as pessoas se misturam e convivem displicentemente com com as diferenças. É claro que o preconceito e a disparidade social são perceptíveis no cotidiano da cidade, mas também é visível que o fim do apartheid deu um basta na segregação. Pelo menos eu vi cenas de igualdade que nunca vi e não sei se um dia vou ver no Brasil. Gostei daqui.